A miséria da infraestrutura

Editorial do Estado de S. Paulo

Investir em rodovias, ferrovias, portos e outras obras de infraestrutura é essencial para o crescimento a médio e a longo prazos e pode ser também – esta é ainda uma esperança – um dos primeiros passos para tirar o País do atoleiro e reativar sua economia. Por este motivo o programa de concessões foi apontado, desde o início do governo provisório, como prioritário. Seria uma forma de reanimar os negócios e a criação de empregos, mesmo com as finanças públicas em péssimas condições, porque envolveria a mobilização de grandes volumes de capital privado. Mas o programa, segundo indicações oficiais, deve começar mais modesta e mais lentamente do que se imaginou logo depois da posse do presidente interino Michel Temer. Falta definir pontos importantes, disse há poucos dias o secretário do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Wellington Moreira Franco. Um dos pontos ainda sem definição no fim de semana era o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento das concessões.

Eliminadas as dúvidas e afastados os principais motivos de insegurança, o governo e seus parceiros do setor privado estarão diante de uma enorme e urgente agenda de investimentos, até porque os governos do PT fracassaram no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, de modo geral, na pauta de ampliação e de modernização da infraestrutura. Falharam de muitas formas. Foram incompetentes na elaboração de projetos básicos. Em muitas ocasiões foram incapazes de atrair o interesse de investidores potenciais e mostraram-se ineptos no acompanhamento de obras.

Treze anos depois de iniciado o primeiro governo petista e nove anos depois de lançado o PAC, alguns números divulgados no Estado, no domingo, mostram a desvantagem do Brasil diante de vários países desenvolvidos e emergentes. No Brasil há 25 quilômetros de rodovias pavimentadas para cada mil quilômetros quadrados de superfície do País. Há 438,1 nos Estados Unidos, 359,9 na China, 54,3 na Rússia, 46 na Austrália e 41,6 no Canadá. A densidade da malha ferroviária também é desastrosamente pequena. Há 3,6 quilômetros de ferrovias por mil quilômetros quadrados de superfície, contra 9,8 no Chile, 13,5 na Argentina, 20,5 na China, 23 na Índia e 32 nos Estados Unidos.

Por qualquer medida – e o quadro seria o pior se as hidrovias entrassem na comparação – é clara a desvantagem dos produtores brasileiros. A agricultura nacional é uma das mais eficientes na produção de soja, mas seu poder de competição é minado pela dependência excessiva do transporte rodoviário. Além disso, a qualidade e a má conservação das estradas também tornam muito cara a entrega de soja e derivados nos principais mercados internos e nos portos. Se o produto ainda é competitivo, é exclusivamente graças à eficiência nas áreas de produção.

Mas a perda do poder de competição, com enorme elevação de custos, é apenas uma das consequências da pobreza, do mau planejamento e da baixa qualidade da infraestrutura. Há indicadores muito mais dramáticos, como a insegurança nas estradas, e também mais vergonhosos, como a deficiência nos serviços de água e saneamento. No Brasil, o suprimento de água atinge 83% das pessoas. Em outros países latino-americanos – México, Venezuela, Uruguai, Chile, Costa Rica e Argentina – as taxas variam de 93% a 99,8%. Mas o cenário é muito pior quando se trata de serviços de esgoto: atendimento de apenas 49,8%, contra 63,1% na Bolívia, 69% na Argentina, 93,6% no Chile e 94,1% na Venezuela.

Não há como pensar em desenvolvimento econômico e em competitividade sem muito investimento em infraestrutura. E é certamente um abuso falar de desenvolvimento social quando o saneamento mal se estende a metade da população. Tudo isso compõe uma enorme e inadiável agenda, mas, antes de tocá-la, o governo deve conquistar o investidor. Parece um paradoxo, mas um bom começo é conter o gasto público. Austeridade convence e facilita parcerias

 

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